Quinta, 06 Abril 2017 13:27

Cresce em Brasília o número de pessoas que se declaram sem religião

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O empresário Gabriel Parente, 23 anos, se decepcionou com a religião ao presenciar a dor e o constrangimento de pessoas próximas pela obediência a um dogma. Isso o fez questionar a validade de um credo organizado e ele desenvolveu uma espiritualidade própria e uma ideia pessoal de Deus. A servidora pública Maria Clara Teixeira de Assis, 28, teve uma educação religiosa, mas se afastou após reações negativas, quando se descobriu homossexual. No curso superior de filosofia, percebeu que a verdade professada por alguns líderes não era universal. Ela se desvencilhou da necessidade de acreditar e passou a se reconhecer como ateia. O universitário Dângelo Saraiva de Souza, 22, já quis ser padre. No ensino médio, nas aulas de filosofia, questionou a existência de uma divindade. Agnóstico, ele diz que não existem provas a favor ou contrárias à existência de um deus, mas não sente necessidade de crer.

Embora não se conheçam, eles têm algo em comum. Fazem parte da parcela da população do Distrito Federal que se considera sem religião, grupo que cresce a cada ano. Em 2011, quando pesquisadores da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) incluíram a tabela "População por religião declarada, segundo as regiões administrativas" na Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio (PDAD), eles representavam 4,8% da população. Um total de 122.792 pessoas. Na pesquisa seguinte, divulgada em 2014, eram 6,71% dos residentes no DF, ou 186.897 brasilienses. No último levantamento, feito entre 2015 e 2016, já eram 229.193, 7,89% dos habitantes da capital. Os dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística diferem minimamente. O órgão aponta 236.528 de candangos sem religião: 212.484 que não têm fidelidade a uma organização, 19.885 de ateus e 4.159 de agnósticos.

 

Gerente de pesquisas socioeconômicas da Codeplan, Iraci Peixoto explica que a pesquisa dura dois anos. O órgão começou a fazer o levantamento do PDAD em 2004. Na primeira edição, não havia menção à religião dos brasilienses. “À medida que a pesquisa evoluiu, agregamos novos dados. A religião, no entanto, é um tema difícil de ser abordado e tratamos essa informação com muito cuidado”, explica a técnica. Segundo ela, a Codeplan não tem uma resposta para o aumento dos sem religião na capital. Não há outros estudos focados no grupo. A estudiosa destaca, no entanto, que os sem religião são mais numerosos em regiões administrativas com maior poder aquisitivo. “No Plano Piloto, são 14,44% da população; no Lago Norte, 14,68% e Sudoeste e Octogonal, 13,78%. Mas isso também se repete no Varjão, com 10,27% dos moradores. Os evangélicos tradicionais e os católicos caíram. Mas o número é pequeno. Podemos interpretar como erro amostral”, diz.

 

Responsáveis por si

 

Gabriel Parente considera positivo o aumento dos sem religião no DF. Para ele, o dado demonstra que as pessoas estão se questionando. “Ganhamos uma religião ao nascer. Se, em algum momento, negamos essa crença, é sinal de que tivemos que refletir”, analisa. Ele critica o apego a um dogma. “Sei que há muita coisa positiva nas religiões. Mas pessoas muito devotas pegam um ‘pacote completo’, com o bom e o ruim. Perdem a capacidade de ver que algumas coisas não devem ser seguidas. Não recorro a instituições. Sou responsável pelas minhas atitudes. O universo é um grande fluxo de energia. Você recebe o que você joga para o mundo”, explica.

 

Na visão de Maria Clara, o ateísmo pode ser uma maneira humilde de olhar para o universo e uma forma de promover a tolerância. “Me formei em filosofia e vi que não havia uma verdade universal, mas várias perspectivas. Precisamos pensar por nós mesmos. Faz mais sentido admitir que há coisas que não conheço do que inventar explicações sem comprovação.” Filha de pastora evangélica, ela conta que as duas se entendem e se respeitam. “Todo mundo tem que se respeitar. Não tenho pretensão de ‘converter’ as pessoas e minha vida com minha mãe é sensacional. Nos aceitamos e também conversamos muito. As coisas mudam quando paramos de tentar impor um ponto de vista para conhecer o do próximo”, reflete.

 

Dângelo evita falar sobre sua forma de ver o mundo com os mais velhos, e encara com tranquilidade os pedidos de parentes para voltar para a igreja, mas admite que se surpreende com as investidas de alguns religiosos que insistem em tentar convertê-lo. “Nas aulas de filosofia do ensino médio, eu e alguns amigos começamos a questionar. Foi uma coisa natural. Já disseram que eu ia para o inferno e já me perguntaram se não sou feliz. Eu sou feliz. Não tenho como provar que Deus existe ou que não existe. Mas, para mim, ele é irrelevante. Entendo que algumas pessoas têm necessidade de uma religião e isso não é ruim. O problema são os grupos religiosos quererem impor seus valores para todos”, observa.

 

 Parte de um pacote

 

Para o ex-padre da Igreja Católica, escritor e ecossociólogo Eugênio Giovenardi, pessoas sem religião tendem a ser mais livres. “É um valor positivo as pessoas se desprenderem dos elementos que vêm no pacote que ganhamos ao nascer. Quando nascemos, no seio da família, recebemos um pacote com, dentre outras coisas, a religião estabelecida. E isso tolhe a liberdade da pessoa”, afirma. “O pensar, a independência do homem, está acima da cultura tradicional e histórica. Se essa parcela da população está aumentando, isso significa que as pessoas estão tomando consciência e têm liberdade de pensar. Isso é bom para todos os elementos da convivência humana”, completa (leia Palavra de especialista).

 

Professor de filosofia da religião da Universidade de Brasília (UnB), Agnaldo Portugal critica a classificação da pesquisa, que ele considera “polêmica”. “Temos várias formas de interpretar esses sem religião e não temos informação o suficiente para isso. Você não consegue distinguir quem é ateu, agnóstico ou não vinculado a uma igreja ou religião tradicional. Podemos falar de pessoas que não têm fidelidade a uma organização ou de pessoas que não têm uma prática religiosa. Pelo que conhecemos de outros lugares, de grandes centros urbanos, sociedade industrializada e população com acesso à informação científica e tecnologia, normalmente esses grupos tendem a se declarar sem religião no segundo sentido.

 

Presidente da Associação de Ateus e Agnósticos (Atea), Daniel Soto Maior também gostaria que os dados referentes à população sem religião fossem mais claros. “É difícil saber se essa mudança de números reflete um avanço da posição das pessoas ou a disposição em se declarar dessa maneira”, afirma. Ele destaca que esse grupo tem crescido em todo o mundo. “Os dados se repetem em várias pesquisas. As pessoas têm sentido menos medo de se declararem sem religião, embora os ateus ainda sofram com um alto grau de rejeição da sociedade. O acesso à informação contribui com esse aumento”, opina.

 

 Religiões na capital federal

 

A capital tem 2.906.574 habitantes. Desses, 1.700.738 são católicos, a maioria em locais de maior concentração de renda. Equivalem a 58,51% da população. Somados, os evangélicos tradicionais e os pentecostais representam 28,91% dos brasilienses, um total de 840.271 indivíduos. Os grupos de protestantes predominam em regiões mais pobres. Na Estrutural, as congregações atendem cerca de 47% da população, são 18.155 habitantes de 38.429.
 

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