Quarta, 06 Dezembro 2017 22:11

A construção do mito Jesus

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Ao analisarmos o personagem Jesus temos de diferenciar o Jesus místico do Jesus histórico. O Jesus místico é o ser que habita o imaginário de mais de 2 bilhões de pessoas que depositam sua fé e sua esperança nesta entidade transcendental. Porém, ao analisarmos o Jesus histórico temos de nos desvencilhar de todas estas crenças e dogmas envoltos em superstições. Temos de investigar o assunto baseado em evidencias racionais e não em crendice religiosa. Em primeiro lugar, Jesus não era uma pessoa significativa em sua época. Muito pelo contrário, ele foi praticamente um completo desconhecido. Jesus viveu no 1º século (com a morte por volta de 30 d.C.), será que as fontes Gregas e Romanas da época têm muita coisa a dizer sobre ele? Nada! Absolutamente nada! Ele nunca é debatido, questionado, atacado, examinado, criticado ou citado em nenhuma das fontes Gregas ou Romanas do período. Nada é falado de seu nascimento, sua vida, ensinamentos, julgamento e morte. Seu nome não é mencionado em nenhuma das principais fontes da época. E olhe que temos muitas fontes da época como historiadores, estudiosos de religião, cientistas, poetas, filósofos, inscrições em locais públicos, inúmeras cartas particulares, documentos oficiais, entre outros. Portanto a conclusão é óbvia: Jesus não era muito importante na sua época. A primeira menção que se faz de Jesus em uma fonte Grego-Romana encontra-se no longínquo ano de 112 d.C. quando um jovem governador de uma província romana chamado Plínio escreveu uma carta ao seu imperador Trajano. Nesta carta ele conta que havia um grupo de pessoas chamados cristãos se reunindo ilegalmente e quer saber como lidar com a situação. Ele diz ao imperador que essas pessoas "veneram Christus como um Deus". Isto é tudo o que ele diz sobre Jesus, o que convenhamos, não é muito. No ano 115 d.C., Tácito, um historiador romano, mencionou o incêndio provocado por Nero em Roma em 64 d.C. citando que o imperador atribuiu o incêndio "aos cristãos". Ele explica que os cristãos eram chamados assim por causa de "Christus" que foi executado pelas mãos de Pôncio Pilatos no reinado de Tibério (Anais, 15:44). Apenas isso é citado, nada mais.

    Os próprios conterrâneos de Jesus, os judeus, nada falaram sobre ele. Apenas Flávio Josefo, por volta de 90 d.C. escreveu uma história do povo judeu desde os tempos de Adão e Eva até seus dias onde menciona Jesus. Neste livro ele não fala muito sobre Jesus, mas se refere a ele duas vezes. Em uma ele simplesmente identifica um homem chamado Tiago como "o irmão de Jesus, que é chamado de Messias" (Antiguidades, 20, 9, 1). Na outra que é um pouco mais extensa existem problemas e dúvidas quanto a sua exatidão. Nela Josefo parece confessar ser um cristão, mas sabemos que ele não era por meio de sua autobiografia, entre outros trabalhos. Segundo os historiadores os textos de Josefo não foram copiados pelos judeus durante a Idade Média, pois ele era considerado um traidor da causa judaica na guerra contra Roma em 70 d.C., onde Jerusalém foi destruída. Portando, foram os cristãos que copiaram seus textos. Quando Josefo fala sobre Jesus, parece que um escriba cristão (tentando dar embasamento histórico para Jesus) fez alguns acréscimos para esclarecer quem Jesus realmente era. Mesmo com esta inserção Josefo não conta o que Jesus disse ou fez e quais foram as circunstancias que o levaram a acusação e a morte (Antiguidades, 18, 3, 3). Além disso, não há nada, absolutamente nada sobre Jesus nos primeiros 100 anos após sua morte.

     Assim, se quisermos saber sobre a vida do Jesus histórico, estamos de certa forma limitados a usar os quatro evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Contudo esses não são relatos de testemunhas imparciais, um registro histórico isento feito por pessoas neutras, antes, são relatos feitos por pessoas envolvidas com a causa cristã, pessoas que estão na realidade defendendo suas crenças e não fazendo um relato histórico desinteressado da causa, portanto, são relatos tendenciosos, uma verdadeira propaganda de sua fé. Além disso, são livros escritos décadas depois dos acontecimentos por escritores que apenas ouviram histórias sobre Jesus pela tradição oral, histórias que foram alteradas e até mesmo inventadas com o passar do tempo. Há muitas contradições nessas histórias e os próprios escritores dos Evangelhos fizeram muitas mudanças (Raphael Lataster, There was no Jesus, there is no God: A Scholarly Examination of the Scientific, Historical, and Philosophical Evidence & Arguments for Monotheism. CreateSpace Independent Publishing Platform, September, 2013. ISBN 978-1492234418)

     O próprio Jesus não escreveu uma só linha sobre sua vida e seus ensinos, tarefa assumida por seus discípulos. É pouco provável que os primeiros discípulos fossem alfabetizados tendo em vista que o índice de alfabetização no Império Romano por volta do primeiro século era baixíssimo. Calcula-se que nos grandes centros como Roma e Atenas o número de analfabetos nesta época era de mais de 90%, os demais 10% em sua maioria eram grosseiramente alfabetizados provenientes das classes mais abastadas que tinham tempo e dinheiro para receber uma educação. Agora imagine na província da Galiléia, uma das mais distantes e pobres de todo o Império. Nesta região onde Jesus pregou, ser alfabetizado era um luxo de poucas pessoas, algo restrito a nobreza e ao alto clero. Portanto, nas comunidades cristãs do 1º século as taxas de alfabetização eram baixíssimas, pois os primeiros cristãos vinham em sua maioria das classes mais pobres e menos letradas.

     Os primeiros seguidores de Jesus não tinham a mínima condição de registrar a vida de seu mestre. Como eram judeus da Galiléia, os seguidores de Jesus, como o próprio Jesus, falavam a língua aramaica. Sendo do interior, é pouco provável que tinham algum conhecimento de grego, se tivessem, seria extremamente grosseiro já que eles passavam seu tempo com outros camponeses analfabetos falantes de aramaico trabalhando duramente para conseguir sobreviver. Assim, os discípulos de Jesus não poderiam ser os escritores dos evangelhos por que os evangelhos foram escritos em grego, obviamente por cristãos que tinham uma certa educação e eram capazes não só de falar mais de escrever em grego. Nesta época muitas pessoas que sabiam falar não sabiam escrever, pois estas habilidades eram muito distintas. Além de saber escrever, estes escritores eram capazes de construir narrativas extensas e complexas como os evangelhos, que apesar de não serem os livros mais refinados do Império Romano, são narrativas coerentes escritas por pessoas que sabiam construir uma história e atingir seus objetivos.

     A única maneira de copiar um livro era a mão, um processo demorado e detalhista, que não podia ser feito por pessoas simples e sem estudo, portanto, tinha que ser feito por escribas profissionais. Quem quer que fossem esses autores, eram cristãos de uma geração posterior, com dotes incomuns para a época. A própria bíblia confirma o fato de que os primeiros discípulos de Jesus eram incapazes de escrever os textos bíblicos, os evangelhos deixam claro que a maioria dos seguidores de Jesus eram pessoas rústicas e simples, camponeses de classe baixa da Galiléia rural. Os apóstolos eram simples pescadores pouco instruídos (Mateus 4:18; Lucas 5:4-7), dois deles, Pedro e João são chamados claramente de indoutos e comuns, pessoas sem instrução como o próprio relato bíblico afirma: “Ora, quando observaram a franqueza de Pedro e João, e perceberam que eles eram homens indoutos e comuns, ficaram admirados” (Atos 4:13). Paulo indicou que a congregação de Corinto era formada em sua maioria por pessoas sem estudo, consideradas tolas e fracas pelos padrões humanos (1ª Corintios 1:27).  O máximo que podiam fazer era passar de maneira oral algumas coisas que viram Jesus dizer e fazer. Como diz o ditado “a cada ponto aumenta um conto”, essa transmissão oral foi com o tempo aumentando o que realmente aconteceu e acrescentando novos pormenores aos acontecimentos dando contornos épicos e lendários a história. Imagine uma transmissão oral de 40 anos, as testemunhas oculares estavam quase todas mortas. Circulava entre as comunidades cristãs da época um registro muito destorcido do que realmente aconteceu.

     Os primeiros escritos cristãos foram às cartas paulinas, estas foram escritas muito antes dos evangelhos uns 20 anos depois da morte de Jesus. O Apóstolo Paulo era aparentemente um homem mais instruído, segundo o relato bíblico ele foi ensinado por um líder fariseu de nome Gamaliel: “Eu sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas educado nesta cidade, aos pés de Gamaliel, instruído segundo o rigor da Lei ancestral, zeloso por Deus, assim como todos vós sois neste dia” (Atos 22:3). A existência de Gamaliel como respeitado e influente raban (título superior a rabino) é confirmado pela Míxena que diz a seu respeito: “Quando Raban Gamaliel, o velho, faleceu, cessou a glória da Tora, e pereceram a pureza e a santidade” (Sotah 9:15).Portanto, se Paulo foi realmente instruído por Gamaliel teria condições de escrever sobre a vida de Jesus, mas ele se limitou a redigir apenas algumas cartas endereçadas a certas comunidades cristãs da época. Digno de nota é o fato de que Paulo nunca conheceu pessoalmente Jesus. Sua conversão ocorreu anos depois da morte de Jesus através (segundo ele) de uma visão (Atos 9:3-18). Assim, Paulo não era testemunha ocular dos acontecimentos que envolveram a vida de Jesus.

     Diversas cartas foram escritas entre as comunidades cristãs, sendo que várias delas se perderam com o tempo e não chegaram até nós como comprova o próprio relato bíblico: “E, quando esta carta tiver sido lida entre vós, providenciai para que seja também lida na congregação dos laodicenses, e para que leiais também a de Laodicéia” (Colossenses 4:16). As que sobreviveram e hoje fazem parte da bíblia concentram-se na construção da conduta e das normas de relacionamento entre os cristãos como também na elaboração dos dogmas e crenças cristãs supostamente baseados nos ensinos de Jesus. Entretanto, um relato biográfico sobre Jesus só começa a surgir uns 40 anos depois de sua morte. Provavelmente, alguma comunidade cristã sentiu a necessidade de colocar por escrito as histórias épicas e lendárias que circulavam oralmente entre eles. A um consenso geral entre os historiadores de que o evangelho de Marcos foi o primeiro a ser escrito, por volta de 70 a 75 EC, portanto uns 40 anos após a morte de Jesus. Como uma forma de homenagem eles colocaram o nome de Marcos como sendo o escritor, pois é pouco provável que o próprio Marcos (contemporâneo de Jesus) tenha escrito tal relato (Juan Ária, Jesus, esse grande desconhecido. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001).

     Aqui se faz necessário fazer uma ressalva, não podemos saber exatamente a data em que os evangelhos foram escritos, pois não temos nenhum original para fazermos uma datação precisa, o melhor que temos são cópias de cópias que foram feitas durante séculos e hoje temos alguns fragmentos de manuscritos que datam de 180 a 200 EC (estes sim com comprovação através de testes de carbono 14 e radiométricos), estes são os mais antigos fragmentos que existem do novo testamento (com exceção de um fragmento pequeno datado por volta do ano 125 a 160 EC do evangelho de João chamado P 52). Portanto, da época de Cristo até o ano de 180 EC não podemos afirmar com certeza quando foram escritas certas cópias e muito menos os originais. A grande maioria dos historiadores modernos aponta como a data mais provável da escrita de Marcos entre 70 e 75 EC, de Mateus e Lucas entre 80 e 85 EC e de João após 90 EC (Merril Tenney, O Evangelho de Mateus e O Novo Testamento: sua origem e análise. São Paulo, Shedd, 2008). Porque a maioria dos historiadores aponta datas posteriores a 70 EC para a escrita dos evangelhos? Devido a alguns indícios. (1) Nas cartas de Paulo não existe nenhuma menção de qualquer evangelho, nem mesmo um indício de que havia algum evangelho circulando pelas comunidades cristãs da época. Se existisse tal evangelho na época seria muito estranho Paulo sequer fazer menção a tal. Baseado nisso é possível deduzir que os evangelhos foram escritos depois das cartas de Paulo. (2) Aparentemente, os escritores dos evangelhos estavam informados sobre certos acontecimentos históricos como a destruição de Jerusalém no ano 70 EC (Possivelmente Marcos, em 13:1 e quase certamente Lucas em 21:20-22). Isso implica que os evangelhos provavelmente foram escritos após o ano 70 EC. (3) Se analisarmos os evangelhos, parece que Mateus e Lucas usaram Marcos como fonte, pois, a esmagadora maioria do conteúdo do evangelho de Marcos se encontra em Mateus e Lucas (alguns relatos inclusive aumentados). Marcos é um evangelho menor e mais direto, enquanto Lucas e Mateus se alongam mais nos mesmos relatos e incluem muitos outros. Até mesmo o ponto de vista teológico sobre Jesus é mais simples em Marcos e vai ganhando contornos épicos em Mateus e Lucas, indicando que foram escritos depois. Portanto se Marcos foi escrito após 70 EC, Lucas e Mateus foram escritos depois. (4) Os primeiros discípulos de Jesus provavelmente eram analfabetos e dificilmente conseguiriam escrever em sua língua, o aramaico, muito menos em grego, ainda mais em estilo sofisticado como encontramos nos manuscritos dos evangelhos em grego.

     O mais provável é que depois da destruição de Jerusalém pelos romanos, os cristãos viram a necessidade de colocar por escrito todas as histórias que circulavam pela tradição oral para que estas não se perdessem. Se lermos os quatro evangelhos com atenção e fizermos uma comparação notaremos uma gradual construção do mito Jesus, de um humilde pregador Galileu que se transforma através do tempo no próprio Deus encarnado.

     O Evangelho de Marcos é o menor e mais simples dos 4 evangelhos. Ele começa com o batismo de Jesus, deixando de relatar todos os acontecimentos sobre o nascimento milagroso e o infanticídio do qual ele foi salvo. Não há um esforço para adequá-lo as profecias do Velho Testamento, não existe uma ênfase na questão de que tudo que ele fazia era cumprimento de profecias (a única tentativa de adaptar uma profecia do Velho Testamento se encontra no inicio do evangelho numa combinação das palavras de Isaías 40:3 e Malaquias 3:1, entretanto, tais palavras se referem primariamente a João Batista), seus milagres não são tão complexos como os relatados no evangelho de João, por exemplo, onde Jesus chega a ressuscitar um homem que estava morto por quatro dias. Jesus não foi concebido pelo Espírito Santo, foi apenas um profeta escolhido e abençoado por Deus designado através do batismo quando Deus disse: “Este e o meu filho amado, a quem tenho aprovado (Marcos 1:10)”, e que depois pregou o reino de Deus, realizou milagres e foi morto. Jesus não ensina muito sobre si mesmo, antes, fala principalmente sobre Deus, sobre o reino que se aproxima e sobre como as pessoas precisam se preparar para ele. Quando se refere a si mesmo como o filho do homem é sempre de forma oblíqua, ele nunca diz diretamente “Eu sou o Filho do Homem” e só afirma ser o Messias, o governante ungido do futuro reino quando é colocado sob juramento pelo sumo sacerdote (Marcos 14:61, 62) Embora Jesus seja reconhecido como filho de Deus (Marcos 1:11; 9:7; 15:39), esse não é seu título preferido e ele só o reconhece com relutância (Marcos 14:62). Ele nunca se refere a si mesmo como um ser divino que existia anteriormente, alguém que era em qualquer sentido igual a Deus, não, para o escritor de Marcos ele não é Deus e nem alega isso. Jesus é condenado, escarnecido, agredido e ridicularizado por todos, mas fica em silêncio até o fim, como que em choque, quando solta o grito infeliz (o lamento de um judeu sofredor escrito no Salmo) ecoando o Salmo 22: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste? (Marcos 15:34)”. Jesus está mergulhado em desespero e em angústia se sentindo absolutamente esquecido, morrendo em agonia sem saber por que tem que morrer.

     Os Evangelhos de Mateus e Lucas usaram cerca de 95% do material de Marcos, mas fizeram muitos acréscimos, Jesus é apresentado como uma pessoa serena, tranqüila e totalmente no comando das situações. Em Lucas, Jesus não fica em silêncio enquanto segue para a morte, ele conversa com as mulheres que choram pelo que acontece profetizando a destruição que irão enfrentar. Enquanto é pregado na cruz faz uma prece pedindo que Deus os perdoasse, conversa com um dos homens crucificados com ele, em vez de no final dar um grito exprimindo uma sensação de absoluto abandono, Jesus diz a Deus: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lucas 23:46). Diferente de Marcos, em Mateus e Lucas Jesus foi concebido pela intervenção do Espírito Santo, assim era o filho de Deus desde a concepção e não apenas por ocasião do batismo. Mas os capítulos que tratam do nascimento, não mencionam que Jesus teve uma vida anterior no céu, mencionam apenas que ele foi concebido pelo Espírito Santo. Usando o evangelho de Marcos como fonte de informação, os evangelhos de Mateus e Lucas recontaram a história de Jesus, dando a ele mais status, ele deixou de ser um homem escolhido por Deus para se tornar o filho de Deus, criado diretamente pelo pai. Veja dois dos muitos exemplos de como a história original de Jesus contada em Marcos, foi recontada de forma exagerada. Marcos 5:1-3 relata que no país dos Gedarenos, Jesus cura 1 homem possuído. Porém, Mateus 8:28 repete o mesmo episódio, mas afirma que Jesus cura 2 homenspossuídos. Marcos 10:46-47 relata que em Jericó Jesus cura 1 cego. Entretanto, Mateus 20: 29-31 repete o mesmo episódio, mas afirma que Jesus cura 2 cegos. Nos evangelhos de Mateus e Lucas há um grande esforço de fazer com que Jesus cumpra certas profecias do Velho Testamento, muitos detalhes de sua vida e morte supostamente eram cumprimento de profecias.          

     O evangelho de João escrito uns 70 anos após a morte de Jesus não se preocupa com genealogias, também não diz que Jesus era o filho de Deus ou que foi concebido pelo Espírito Santo, não há referência ao nascimento de Jesus em Belém nem menção ao fato de sua mãe ser uma virgem, suas tentações no deserto não são citadas, ele não prega a vinda do reino e nunca conta uma parábola ou expulsa um demônio, não há registro da transfiguração e nem da instituição da ceia do Senhor (ele apenas lava os pés dos discípulos), Jesus não passa por nenhuma espécie de julgamento oficial perante o conselho judaico, não existe uma tentativa de encaixá-lo nas profecias do Velho Testamento como fizeram Mateus e Lucas, o último evangelho vai além. João apresenta um Jesus místico, sobre-humano, a própria encarnação de Deus na terra, sua origem remonta a origem do universo (João 1:1-3). Os milagres tomam formas inimagináveis (Jesus ressuscita Lázaro, morto por 4 dias). Jesus não prega sobre o futuro reino de Deus, a ênfase é em sua própria identidade como se vê no constante “Eu Sou”. Ele é aquele que pode garantir a vida (Eu sou o pão da vida,  João 6:35), é aquele que traz esclarecimento (Eu sou a luz do mundo, João 9:5), é o único caminho para Deus (Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida, ninguém vem ao pai a não ser por mim, João 14:6), é o meio de salvação (Quem crê no filho tem a vida eterna, João 3:16), é igual a Deus (Eu e o pai somos um, João 10:30, os judeus entenderam muito bem o que ele estava dizendo, pois imediatamente pegaram pedras para executá-lo por blasfêmia), toma para si o nome de Deus (antes que Abraão existisse, EU SOU, João 8:58, aqui ele não alega simplesmente que era mais antigo do que Abraão, considerado o pai dos judeus, ele alega mais do que isso, está fazendo uma referencia a Êxodo 3:14 quando Moisés pergunta a Deus qual é seu nome, Deus responde: “EU SOU me mandou a vós”, novamente os judeus que escutaram não tiveram dificuldade de entender o significado, pois mais uma vez as pedras voaram).

     Comparado com a simplicidade dos outros 3, o evangelho de João tem uma teologia avançadíssima. O problema é que Atos 4:13, diz que João era um homem iletrado e comum, por isso estudiosos sustentam que João não escreveu o evangelho que leva o seu nome. Assim o evangelho de João só pode ser de autoria de um ou mais teólogos muito bem preparados.  Neste evangelho Jesus tinha uma pré-existência no céu, João 1:14 diz: “De modo que a palavra se tornou carne e residiu entre nós”. No evangelho de João, Jesus deixa de ser o filho de Deus e passa a ser o próprio Deus e isto logo no inicio, João 1:1 relata: “No principio era a palavra, e a palavra estava com Deus e a palavra era Deus”. Neste evangelho Jesus também é o criador de tudo que existe, João 1:3 afirma: “Todas as coisas vieram a existência por intermédio dele”. Em João, Jesus é colocado no lugar mais alto que possa existir, ele é o próprio Deus encarnado (Bart D. Ehrman, Jesus, Interrupted: Revealing the Hidden Contradictions in the Bible (And Why We Don't Know About Them. HarperCollins, USA, 2009. ISBN 978-0-06-117394-3).

     Portanto, conforme os evangelhos demonstram, a medida que o tempo passou e o cristianismo foi prosperando, o status de Jesus acompanhou este progresso. Em Marcos ele era apenas um homem e profeta, algum tempo depois nos livros de Mateus e Lucas ele já é o filho de Deus concebido pelo espírito santo e finalmente em João ele é o próprio Deus, mas como também existia o Deus pai, ele passou a fazer parte da trindade. É possível que Jesus nunca tenha ensinado que foi concebido pelo espírito santo, ou que era Deus, porém, naquela época o imperador romano (como o Augusto César) era considerado como filho de Deus, como divino, devido a isso os cristãos viram a necessidade de elevar Jesus a uma posição semelhante.

     Assim, nesta simples leitura dos evangelhos notamos a progressiva construção do mito Jesus, que foi ganhando forma através do tempo. De um humilde pregador Galileu que atraiu alguns discípulos por meio do seu carisma e discurso envolvente, que realizou algumas aparentes curas e pseudomilagres divulgando uma mensagem apocalíptica de salvação, ele se transforma através do tempo no próprio Deus encarnado.

Este texto foi extraído do livro "A BÍBLIA SOB ESCRUTÍNIO", para adquiri-lo CLIQUE AQUI!

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