Segunda, 15 Dezembro 2014 12:40

Taoismo - A Busca do Caminho

“QUE cem flores desabrochem; que cem escolas contendam”. Este ditado, tornado famoso por Mao Tse-tung da República Popular da China num discurso em 1956, era realmente uma paráfrase da expressão que os eruditos chineses têm usado para descrever a era chinesa do quinto ao terceiro séculos AEC, chamada de período dos Estados Combatentes. Nessa época, a poderosa dinastia Chou (c. 1122-256 AEC) se deteriorara num sistema de estados feudais vagamente ligados entre si, que se empenhavam em contínuas guerras, com resultante aflição para o povo. O tumulto e o sofrimento causados pelas guerras enfraqueceram seriamente a autoridade da classe dominante tradicional. O povo não mais se dispunha a submeter-se aos caprichos e artimanhas da aristocracia e a sofrer silenciosamente as consequências. Em resultado, conceitos e aspirações há muito sufocados irromperam como “cem flores”. Diferentes escolas de pensamento promoveram seus conceitos sobre governo, lei, ordem social, conduta e ética, bem como sobre assuntos tais como agricultura, música e literatura, quais meios de restaurar uma medida de normalidade na vida. Vieram a ser conhecidas como as “cem escolas”. A maioria delas não produziu um efeito duradouro. Duas escolas, porém, se destacaram de tal maneira que têm influenciado a vida na China por mais de 2.000 anos. Eram as que por fim vieram a ser conhecidas como taoísmo e confucionismo.

 

Tao — O Que É?

 Para entender por que o Taoísmo e o Confucionismo vieram a exercer tão profunda e duradoura influência sobre o povo chinês, bem como sobre o do Japão, da Coréia e de outras nações circunvizinhas, é necessário entender algo do conceito fundamental chinês do Tao. A palavra em si significa “caminho, estrada, ou vereda”. Por extensão, pode também significar “método, princípio, ou doutrina”. Para os chineses, a harmonia e o funcionamento ordeiro que perceberam no universo eram manifestações do Tao, uma espécie de vontade ou legislação divina que existe no universo e o regula. Em outras palavras, em vez de crerem num Deus Criador, que controla o universo, eles criam numa providência, uma vontade do céu, ou simplesmente o próprio céu como a causa de tudo. Aplicando o conceito do Tao a assuntos humanos, os chineses criam que existe um modo natural e correto para realizar todas as coisas, e que tudo e todos têm seu devido lugar e sua devida função. Por exemplo, eles criam que, se o governante cumprisse seus deveres tratando o povo com justiça e cuidando dos rituais sacrificiais pertinentes ao céu, haveria paz e prosperidade para a nação. Similarmente, se as pessoas se dispusessem a buscar o caminho, ou Tao, e o seguissem, tudo seria harmonioso, pacífico e eficiente. Mas, se elas o contrariassem, ou lhe resistissem, o resultado seria o caos e o desastre. Este conceito de seguir o Tao e não interferir em seu fluxo é um componente central do pensamento filosófico e religioso chinês. Pode-se dizer que o taoísmo e o confucionismo são duas expressões diferentes do mesmo conceito. O taoísmo faz uma abordagem mística, e, em sua forma original, defende a inação, a quietude e a passividade, evitando a sociedade e retornando à natureza. Seu conceito básico é que tudo sairá bem se as pessoas se acomodarem, nada fizerem, e permitirem que a natureza siga seu curso. O confucionismo, por outro lado, faz uma abordagem pragmática. Ensina que a ordem social será mantida se toda pessoa desempenhar o papel que lhe cabe e cumprir com o seu dever. Para isso, codifica todos os relacionamentos humanos e sociais — governante-súdito, pai-filho, marido-esposa e assim por diante — e fornece diretrizes para todos eles. Naturalmente, isto suscita as seguintes perguntas: Como é que vieram à existência esses dois sistemas? Quem foram seus fundadores? Como são praticados hoje? 

 

Taoísmo — Um Início Filosófico

 Nos seus estágios primitivos, o taoísmo era mais uma filosofia do que uma religião. Seu fundador, Lao-tzu, estava descontente com o caos e o tumulto da época e buscou alívio evitando a sociedade e voltando-se para a natureza. Pouco se sabe sobre esse homem, que teria vivido no sexto século AEC, embora até mesmo isso seja incerto. Era comumente chamado de Lao-tzu, que significa “Velho Mestre”, ou “Velho”, porque, como diz a lenda, sua mãe grávida teve-o por tanto tempo no ventre que, quando nasceu, o cabelo dele já estava branco. O único registro oficial sobre Lao-tzu aparece em Shih Chi (Registros Históricos), de Ssu-ma Ch’ien, um respeitado historiador palaciano do segundo e primeiro séculos AEC. Segundo essa fonte, o nome verdadeiro de Lao-tzu era Li Ur. Ele servia como escriturário nos arquivos imperiais em Loiang, China central. Contudo, mais significativamente, fornece o seguinte relato a respeito de Lao-tzu: “Lao Tzu residiu em Chou a maior parte de sua vida. Quando previu a decadência de Chou, ele partiu dali para a fronteira. O funcionário da alfândega Yin Hsi disse: ‘Senhor, visto que te agrada aposentar-te, peço-te, por minha causa, que escrevas um livro.’ Diante disso, Lao Tzu escreveu um livro de duas partes, consistindo de cinco mil e tantas palavras, no qual considerou os conceitos do Caminho [Tao] e do Poder [Te]. Daí, partiu. Ninguém sabe onde ele morreu.” Muitos eruditos duvidam da autenticidade desse relato. De qualquer modo, o livro produzido é conhecido como Tao Te Ching (geralmente traduzido por “O Clássico do Caminho e do Poder”), sendo considerado o principal texto do taoísmo. É escrito em versos tersos e crípticos, alguns deles com apenas três ou quatro palavras. Por isso, e também porque o significado de alguns caracteres mudou muito desde os dias de Lao-tzu, o livro está sujeito a muitas interpretações.

 

Breve Visão do “Tao Te Ching

Em Tao Te Ching, Lao-tzu explica o Tao, o derradeiro caminho da natureza, e aplica-o a todos os níveis de atividade humana. Citamos a seguir de uma moderna tradução, para o inglês, de Gia-fu Feng e Jane English, para termos um relance de Tao Te Ching. Sobre o Tao, diz o seguinte: “[Existia] algo formado misteriosamente, nascido antes do céu e da terra. . . Talvez seja a mãe de dez mil coisas. Não sei o seu nome. Chame-o de Tao.” — Capítulo 25. “Todas as coisas surgem do Tao. São produzidas pela Virtude [Te]. São formadas da matéria. São moldadas pelo ambiente. Assim, todas as dez mil coisas respeitam o Tao e dão honra à Virtude [Te].” — Capítulo 51. O que podemos deduzir dessas enigmáticas passagens? Que, para os taoístas, o Tao é uma misteriosa força cósmica responsável pelo universo material. O objetivo do taoísmo é procurar o Tao, deixar para trás o mundo, e tornar-se harmonioso com a natureza. Tal idéia se reflete também no conceito dos taoístas a respeito da conduta humana. Eis uma expressão desse ideal em Tao Te Ching: “Melhor é parar pouco antes do que encher até o limite. Afie demais a lâmina, e o corte logo ficará cego. Ajunte uma grande quantidade de ouro e de jade, e ninguém poderá protegê-la. Pretenda riquezas e títulos, e o desastre se seguirá. Recolha-se quando o trabalho está terminado. Este é o caminho do céu.” — Capítulo 9. Estes poucos exemplos mostram que, pelo menos de início, o taoísmo era basicamente uma escola de filosofia. Reagindo contra as injustiças, os sofrimentos, a devastação e a futilidade resultantes do cruel domínio do sistema feudal da época, os taoístas criam que o caminho para encontrar a paz e a harmonia era retornar à tradição dos antigos, antes de existirem reis e ministros que dominavam o povo. Seu ideal era levar a tranqüila vida rural, em união com a natureza.

 

O Segundo Sábio do Taoísmo

A filosofia de Lao-tzu foi levada um passo adiante por Chuang Chou, ou Chuang-tzu, que significa “Mestre Chuang” (369-286 AEC), que era tido como o mais eminente sucessor de Lao-tzu. Em seu livro, Chuang Tzu, ele não apenas acrescentou detalhes ao Tao como também explicou os conceitos de yin e yang, originalmente desenvolvidos em I Ching. (Veja página 83.) Em seu conceito, nada é realmente permanente ou absoluto, mas tudo se acha num estado de fluxo entre dois opostos. No capítulo “Dilúvio de Outono”, ele escreveu: “Nada no universo é permanente, pois tudo vive apenas o tempo suficiente para morrer. Apenas Tao, que não tem começo nem fim, dura para sempre. . . A vida pode ser comparada a um cavalo veloz cavalgando a plena velocidade — ele muda constante e continuamente, a cada fração de segundo. O que você deve fazer? O que você não deve fazer? Realmente não importa.” Devido a essa filosofia de inércia, o conceito taoísta diz ser inútil alguém fazer algo para interferir naquilo que a natureza pôs em movimento. Mais cedo ou mais tarde, tudo retornará ao seu oposto. Não importa quão insuportável seja uma situação, ela logo melhorará. Não importa quão agradável seja uma situação, ela logo desaparecerá. (Em contraste, veja Eclesiastes 5:18, 19.) Este conceito filosófico da vida é exemplificado num dos sonhos de Chuang-tzu, pelo qual o povo mais se lembra dele: “Certa vez Chuang Chou sonhou ser uma borboleta, uma borboleta que esvoaçava e adejava, feliz consigo mesma e vivendo a seu bel-prazer. Ela não sabia que era Chuang Chou. Subitamente acordou e ali estava ele, concreto e inconfundível Chuang Chou. Mas, ele não sabia se ele era Chuang Chou que sonhara ser uma borboleta ou se era uma borboleta sonhando ser Chuang Chou.” Vê-se a influência dessa filosofia no estilo de poesia e de pintura desenvolvido por artistas chineses de gerações posteriores. No entanto, o taoísmo não permaneceria por muito tempo como filosofia passiva.

 

De Filosofia a Religião

Na sua tentativa de estar em comunhão com a natureza, os taoístas tornaram-se obsedados com a perenidade e a resiliência da natureza. Especulavam que, se a pessoa vivesse em harmonia com o Tao, ou o caminho da natureza, ela talvez pudesse de algum modo penetrar nos segredos da natureza e tornar-se imune ao dano físico, a doenças e até mesmo à morte. Embora Lao-tzu não insistisse nisso, certos trechos em Tao Te Ching parecem sugerir tal idéia. Por exemplo, o capítulo 16 diz: “Estar em comunhão com o Tao é eterno. E, embora o corpo morra, o Tao jamais perecerá.” Chuang-tzu também contribuiu para tais especulações. Por exemplo, num diálogo em Chuang Tzu, um personagem mitológico perguntou a outro: “És de idade avançada, no entanto, tens a pele de criança. Como pode?” Este último respondeu: “Eu aprendi o Tao.” Sobre outro filósofo taoísta, Chuang-tzu escreveu: “Ora, Liehtse podia cavalgar no vento. Deslizava feliz na fresca brisa, continuaria por quinze dias antes de retornar. Entre os mortais que conseguem a felicidade, tal homem é uma raridade”. Histórias assim acenderam a imaginação dos taoístas, e eles passaram a fazer experiências com meditação, dietas e exercícios respiratórios que supostamente podiam retardar a degeneração e a morte física. Logo começaram a circular lendas a respeito de seres imortais que podiam voar sobre as nuvens e aparecer e desaparecer a seu bel-prazer, vivendo em montanhas sagradas ou em ilhas remotas por incontáveis anos, sustentados pelo orvalho ou por frutas mágicas. A história chinesa conta que em 219 AEC, o imperador Ch’in, Shih Huang-Ti enviou uma frota de navios com 3.000 meninos e meninas para encontrar a lendária ilha de P’eng-lai, a morada dos imortais, para trazer de volta a erva da imortalidade. Desnecessário é dizer, eles não retornaram com o elixir, mas, diz a tradição, povoaram as ilhas que vieram a ser conhecidas como Japão. Durante a dinastia Hã (206 AEC-220 EC), as práticas mágicas do taoísmo atingiram um novo apogeu. Consta que o imperador Wu Ti, embora promovesse o confucionismo como ensino oficial do Estado, sentia-se muito atraído ao conceito taoísta da imortalidade física. Entusiasmou-se especialmente com as engendradas ‘pílulas da imortalidade’ da alquimia. No conceito taoísta, a vida surge quando as forças opostas yin e yang (feminina e masculina) se unem. Assim, fundindo chumbo (escuro, ou yin) com mercúrio (claro, ou yang), os alquimistas estariam imitando os processos da natureza, e o produto, pensavam eles, seria uma pílula da imortalidade. Os taoístas também desenvolveram exercícios tipo ioga, técnicas de controle da respiração, restrições dietéticas e práticas sexuais que alegadamente fortaleciam a energia vital da pessoa e prolongavam a vida. Sua parafernália incluía talismãs mágicos que, segundo se dizia, tornavam a pessoa invisível e invulnerável a armas, ou a capacitavam a andar sobre água ou a voar no espaço. Tinham também selos mágicos, usualmente contendo o símbolo yin-yang, que eram afixados em prédios e sobre o vão de portas para repelir maus espíritos e feras. Por volta do segundo século EC, o taoísmo tornara-se organizado. Um certo Chang Ling, ou Chang Tao-ling, fundou uma sociedade taoísta secreta na China ocidental e praticava curas mágicas e alquimia. Visto que de cada membro se cobrava uma taxa de cinco celamins de arroz, seu movimento ficou conhecido como Taoísmo dos Cinco-Celamins-de-Arroz (wu-tou-mi tao). Afirmando ter recebido uma revelação pessoal de Lao-tzu, Chang tornou-se o primeiro “mestre celestial”. Por fim, afirmou-se que ele conseguiu fazer o elixir da vida e que ascendeu vivo ao céu, montado num tigre, a partir do monte Lung-hu (Monte do Tigre-Dragão), na província de Kiangsi. Com a presença de Chang Tao-ling ali teve início uma sucessão, de séculos de duração, de “mestres celestiais” taoístas, cada qual sendo alegadamente uma reencarnação de Chang.

 

Enfrentando o Desafio do Budismo

Por volta do sétimo século, durante a dinastia T’ang (618-907 EC), o budismo fazia incursões na vida religiosa chinesa. Em contramedida, o taoísmo promovia a si mesmo como religião com raízes chinesas. Lao-tzu foi deificado, e os escritos taoístas foram canonizados. Construíram-se templos, mosteiros e conventos, e fundaram-se ordens de monges e monjas, mais ou menos no estilo budista. Além disso, o taoísmo adotou também em seu próprio panteão muitos dos deuses, deusas, fadas e imortais do folclore chinês, tais como os Oito Imortais (Pa Hsien), o deus do lar (Tsao Shen), deuses da cidade (Ch’eng Huang), e guardiães da porta (Men Shen). O resultado foi uma fusão de elementos do budismo, superstições tradicionais, espiritismo e adoração de ancestrais. Com o tempo, o taoísmo lentamente se degenerou num sistema de superstição. Cada pessoa simplesmente adorava seus deuses e deusas preferidos nos templos locais, pedindo-lhes proteção contra o mal e ajuda para ganhar fortuna terrena. Os sacerdotes eram contratados para realizar funerais, selecionar locais propícios para sepulturas, casas e negócios, comunicar-se com os mortos, afastar maus espíritos e fantasmas, celebrar festividades e realizar vários outros rituais. Assim, o que começara como escola de filosofia mística se transformou numa religião. 

 

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Publicado em ORIENTAIS