Segunda, 22 Dezembro 2014 18:20

Escravidão

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Há milênios este mal tem assolado a humanidade. Desde os povos primitivos que cruelmente escravizavam as nações que subjugavam, em todas as civilizações a escravidão era uma prática comum. Entre 1490 e 1900 estima-se que mais de 11 milhões de africanos foram arrastados como animais em navios negreiros para trabalharem nas Américas. A escravidão deixou o seu rastro de dor e preconceito.  É inegável o esforço de alguns setores da sociedade para acabar com os resquícios de preconceito e intolerância que se infiltraram no inconsciente coletivo da humanidade construído durante milênios de escravidão. Homens como Nelson Mandela e Martin Luther King tiveram um importante papel na luta contra a segregação racial. O objetivo deste capítulo não é discutir quem incentivou a libertação dos escravos, pois todos sabem que várias pessoas de diversas religiões foram contrárias à escravidão e lutaram contra tal prática incluindo cristãos, islâmicos, hindus, judeus entre outros. O fato é que quando os cristãos lutaram contra a escravidão eles estavam desconsiderando seu livro sagrado, a bíblia.

     Foi muito difícil eliminar a escravidão do mundo cristão tanto na Europa quanto nas Américas porque não existe nenhuma passagem bíblica que condene esta prática. Os que lutaram contra a escravidão tiveram como maiores opositores os cristãos que em sua maioria apoiavam a escravidão. Os cristãos da atualidade não são mais escravocratas devido a influência de outras correntes de pensamento como o Iluminismo. Se os cristãos forem honestos e sinceros diante das passagens bíblicas que irei mostrar, eles terão de admitir que a bíblia aprova a escravidão pois não existe nenhum trecho nela que condene tal prática. Se a bíblia fosse realmente a palavra inspirada de Deus e partindo do pressuposto que Deus é amoroso, bondoso e misericordioso com certeza ela condenaria de forma explícita a escravidão. Mas infelizmente isso não acontece, muito pelo contrário, ela é vista como algo normal, corriqueiro.

     A primeira menção de escravidão na bíblia ocorre logo após o suposto dilúvio. Numa passagem que procura explicar o motivo de certos povos serem escravos de outros, a bíblia passar a dizer que um filho de Noé chamado Cã “descobriu a nudez de seu pai”. Alguns linguistas hebraicos afirmam que esta expressão “descobrir a nudez” pode indicar algum tipo de perversão sexual. Seja qual for o caso (Cã ter visto Noé pelado ou ter feito alguma perversão sexual contra seu pai) Noé inventa a escravidão como um castigo por seu filho ter cometido tal ato.                                   

     “Então, Noé principiou como lavrador e passou a plantar um vinhedo.  E começou a beber do vinho e ficou embriagado, e deste modo se descobriu no meio da sua tenda.  Mais tarde, Cã, pai de Canaã, viu a nudez de seu pai e foi contá-lo aos seus dois irmãos lá fora. Sem e Jafé tomaram então uma capa e a puseram sobre ambos os seus ombros, e entraram andando de costas. Assim cobriram a nudez de seu pai, com as faces viradas, e não viram a nudez de seu pai. Por fim, Noé acordou do seu vinho e soube o que lhe havia feito seu filho mais moço.  Ele disse então: Maldito seja Canaã, torne-se ele o escravo mais baixo de seus irmãos. E acrescentou: Bendito seja Jeová, Deus de Sem, e torne-se Canaã escravo dele. Conceda Deus amplo espaço a Jafé, e resida ele nas tendas de Sem, torne-se Canaã também escravo dele” (Gênesis 9:20-27).

     Notamos aqui mais um exemplo do “senso de justiça” hebraico, Cã faz algo errado mas Noé puniu a Canaã filho de Cã, não somente Canaã é punido mas de quebra toda a descendência de Canaã é amaldiçoada com a escravidão. Agora eu pergunto, o que os descendentes de Canaã tinham a ver com isso? Onde está a lógica nisso? Na verdade essa passagem provavelmente foi escrita para justificar a invasão dos hebreus em Canaã e a posterior escravidão que impuseram aos cananeus. Uma desculpa histórica. O mais impressionante é que o Deus da bíblia assistiu a isso tudo sem esboçar nenhuma reação contrária a um absurdo desses, nem uma palavra de desaprovação, nada, simplesmente nada. Pelo visto ele aprovou tudo que aconteceu e considerou a escravidão como algo normal.

     Não satisfeito em apenas observar inerte a escravidão ele resolve criar leis para legitimar a escravidão. Nas Escrituras Hebraicas o Deus da bíblia resolve delinear uma série de regulamentos para a escravidão. São trechos extensos e cansativos, por isso irei resumir os pontos altos.

     “E caso um homem golpeie seu escravo ou sua escrava com um pau e o tal realmente morra sob a sua mão, sem falta deve ser vingado.  No entanto, se demorar um dia ou dois não deve ser vingado, porque ele é seu dinheiro” (Êxodo 21:20,21).

     A orientação é clara, o dono deve bater com um pau a vontade, desde que não o mate na hora é claro, pois seria um prejuízo muito grande para o dono, como diz o final do texto “ele é seu dinheiro”. Mas contando que não o mate na hora pode dar pauladas a vontade, sem dó nem piedade. O dono do escravo só era punido se o escravo morresse no momento da agressão.

     “Se tiver sido um escravo ou uma escrava a quem o touro escornou, dará o preço de trinta siclos ao amo dele, e o touro será apedrejado” (Êxodo 21:32).

     O escravo era negociado como uma mercadoria, seu preço era estipulado por lei, 30 ciclos. Realmente um ótimo negócio, não tinha como o amo perder, se o escravo fosse escornado (chifrado) por um touro receberia o preço do escravo como indenização.

      “Quanto a teu escravo ou tua escrava que se tornam teus dentre as nações que há em volta de vós, delas podeis comprar um escravo... E também dos filhos dos colonos que residem convosco como forasteiros podeis comprar deles e das suas famílias que estão convosco, que lhes nasceram na vossa terra; e eles têm de tornar-se vossa propriedade.  E tendes de transmiti-los como herança aos vossos filhos depois de vós, para [os] herdarem como propriedade por tempo indefinido” (Levítico 25:44-46).

     Ter escravos realmente era um bom negócio principalmente se o escravo fosse das nações vizinhas, neste caso, poderiam ser comprados como escravos e os filhos nascidos dos escravos automaticamente se tornavam propriedade do dono da terra, além disso, depois da morte do dono tais escravos eram passados para os filhos do dono, eram uma propriedade por tempo indefinido. Era realmente um bem de consumo, um ótimo investimento como gado, ovelha, casa, fazenda entre outros.

      Nas Escrituras gregas, o chamado novo mandamento, a situação continua a mesma, os escritores tratam a escravidão como normal, algo comum e banal.

     “Os servos domésticos estejam sujeitos aos [seus] donos com todo o temor [devido], não somente aos bons e razoáveis, mas também aos difíceis de agradar. Porque, se alguém, por causa da consciência para com Deus, agüenta coisas penosas e sofre injustamente, isto é algo agradável” (1ª Pedro 2:18, 19).

     Que passagem interessante! Os escravos tem de ser sujeitos aos donos, mesmo os difíceis de agradar, o escravo que aguenta coisas penosas e sofre injustamente nas mãos de um dono difícil de agradar (um tirano) satisfaz muito ao Deus da bíblia.

     “Os escravos estejam sujeitos aos seus donos em todas as coisas e lhes agradem bem, não contradizendo, não praticando furto, mas exibindo plenamente uma boa fidelidade, para que adornem o ensino de nosso Salvador, Deus, em todas as coisas” (Tito 2:9, 10).

     Mais uma vez o escritor bíblico ressalta a necessidade dos escravos serem sujeitos aos seus donos, lhes agradando, não contradizendo, sendo fiel ao seu proprietário como um cão de guarda.

     “Tantos quantos forem escravos debaixo dum jugo estejam considerando os seus donos dignos de plena honra, para que nunca se fale de modo ultrajante do nome de Deus e do ensino.  Além disso, os que tiverem donos crentes não os menosprezem, porque são irmãos. Ao contrário, sejam escravos com tanto mais prontidão, porque os que recebem o proveito do seu bom serviço são crentes e amados” (1ª Timóteo 6:1, 2). 

     Se o dono fosse cristão aí o escravo tinha de ser mais servil ainda, mostrando mais prontidão. Veja bem, o cristão podia ter escravos, achava a coisa mais normal do mundo, se hoje fossemos seguir a bíblia poderíamos ter escravos a vontade. Consegue entender agora porque foi tão difícil acabar com a escravidão no mundo cristão?

    “Vós, escravos, em tudo sede obedientes aos que são os [vossos] amos em sentido carnal, não com atos apenas ostensivos, como para agradar a homens, mas com sinceridade de coração, com temor de Jeová” (Colossenses 3:22).

     Os escravos são admoestados a servir a seus senhores com total sinceridade e prazer e não somente para manter as aparências. Vejam só, além de sofrer todo tipo de humilhação por ser propriedade de outro, ser considerado uma mercadoria, um objeto de uso do seu amo, tinha de aguentar tudo isso com prazer e sinceridade de coração, tinha de gostar mesmo desta situação.

     Por incrível que pareça existe uma carta considerada pelos cristãos como inspirada por Deus em que o escritor, que se identifica como sendo o apóstolo Paulo, manda um escravo fujão voltar para seu amo, um cristão chamado Filêmon, levando uma carta pessoal para ele. É provável que este escravo tinha graves problemas com seu dono e pelo que parece era considerado por ele inútil, pois na carta o suposto Paulo diz isso claramente: “exorto-te concernente a meu filho, para quem me tornei pai enquanto estava nas minhas cadeias, Onésimo, anteriormente inútil para ti, mas agora útil para ti e para mim” (Filêmon 10,11). A carta também dá a entender que Onésimo fez alguma injustiça com Filêmon, algo que envolveu dinheiro: “Além disso, se ele te fez alguma injustiça ou te deve algo, põe isso na minha conta” (Filêmon 18). Pelo visto Onésimo vivia uma situação insuportável com seu dono Filêmon e roubou algum dinheiro para fugir. De alguma forma não explicada ele foi parar em Roma a 1400 km da cidade de Colossos onde era escravo de Filêmon. Parece que o dinheiro acabou e Onésimo procurou um refúgio auxiliando o escritor da carta em Roma. Seria uma excelente oportunidade para o escritor que se diz inspirado por Deus denunciar esta prática abominável da escravidão que tantos males causa as pessoas como bem ilustrado neste acontecimento. Mas será que ele dedica pelo menos uma linha sequer desta carta para denunciar tal costume nefasto protestando contra o sistema escravocrata? Não! Muito pelo contrário, o escritor apoia o costume impiedoso da época mandando o escravo de volta para seu dono.      

     O próprio Jesus usou a escravidão muitas vezes como exemplo e nunca disse ser errado escravizar os outros. Várias de suas parábolas são sobre escravos e seus amos, nelas Jesus exorta os escravos a serem obedientes, diligentes, fieis, discretos, bons e submissos (Mateus 24:45-51; Mateus 25:14-28; Lucas 19:13-27). Ele cita até mesmo acoites como algo corriqueiro e usual.

     “Então, aquele escravo, que entendeu a vontade de seu amo, mas não se aprontou, nem fez em harmonia com a sua vontade, será espancado com muitos golpes.  Mas aquele que não entendeu, e assim fez coisas que merecem golpes, será espancado com poucos. Deveras, de todo aquele a quem muito foi dado, muito se reclamará dele; e a quem encarregaram de muito, deste reclamarão mais do que o usual” (Lucas 12:47,48).

      Como foi mostrado claramente a bíblia prega a escravidão e estimula as pessoas a se conformarem com a situação de escravo, inclusive incentivando pessoas a terem escravos. O fato de alguns trechos bíblicos incentivarem os donos a tratarem seus escravos de forma bondosa não muda em nada o fato de que ela incentiva a escravatura em si, conceito este que contraria todo princípio de bondade e amor ao próximo que é atribuído a Deus. Você ter um ser humano servindo a você como um escravo, sendo uma mercadoria, um objeto para fins variados, assim como você tem um animal, este conceito em si é repulsivo anulando qualquer recomendação para tratá-los com bondade. Temos aí mais uma evidência de que a bíblia não é a palavra de Deus, antes, um livro escrito por homens que reflete as atitudes e pensamentos da época. No caso da escravidão, uma demagogia criada pelos detentores do poder para estimular uma situação de conformismo, preconceito e subserviência. 

Este texto foi extraído do livro "A BÍBLIA SOB ESCRUTÍNIO", para adquiri-lo CLIQUE AQUI!

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